quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Invisibilidade Pública

"Fingi ser gari por 8 anos e fui tratado como ser invísivel"

Fernando Braga da Costa, psicólogo social.


Uma história tocante e de muitas lições.

Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da 'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social. 

O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os  trabalhadores braçais são 'seres invisíveis, sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.

Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:
"Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência", explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. "Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz.

No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: 'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar."

O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.

E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.

E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa.

Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma 'COISA'.


(Plínio Delphino, Diário de São Paulo.)


Esse comportamento vergonhoso de Boris Casoy reflete bem o que o psicólogo Fernando Braga quis mostrar. Assistam:


Boris Casoy Humilha Garis


 Isabela de F.

4 comentários:

  1. Li esta reportagem sobre a invisibilidade pública mês passado. É chocante o nosso descaso com a vida."Precisamos sair da normalidade", como disse , hoje, a professora Luisa. Um exemplo desse é magnífico para repensar nosso caminhar no mundo. "Precisamos revisitar a nossa condição humana e otimizar nossas ações diárias. É necessário buscar "a cura da doença burguesa."

    Alan Nascimento

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  2. Exatamente. Temos que ver essa história como um exemplo, do jeito que todo mundo anda apressado hoje em dia e com tanta coisa em mente o tempo todo, talvez se fosse um amigo nosso tambem não reconheceriamos, quem sabe? É tempo de rever algumas coisas.

    Eu postei e tinha me esquecido desse vídeo do Boris Casoy, mas agora atualizei. Assiste ai, Alan, e veja que absurdo. E o mais triste é saber que boa parte da população pensa da mesma forma...

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  3. Lamentável. Ele criou o bordão " isso é uma vergonha para ele mesmo.Esse é mais um relato de episódios que enaltece a ridicularização a pessoas humildes.

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  4. Muito boa essa pesquisa e o vídeo também. É chocante como estamos diante de situações dessas todos os dias e algumas vezes até compartilhamos do mesmo comportamento.Não que façamos por sermos ruins, mas como Isabela comentou, o mundo anda muito apressado em todos os aspectos,que é como se paracimos 1 min. para desejar um simples "bom dia" fosse atrasar todo o resto dele. Temos que rever a forma como atuamos nessa sociedade e começar a fazer a DIFERENÇA!

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